quarta-feira, 6 de julho de 2016

O passageiro que não ama a Deus

22 horas. O ônibus leva mais ou menos 15 pessoas para suas casas. Entre elas está, em sua maioria, estudantes universitários. Em determinada parada, sobe um pregador e começa a dar sermão.

- Jesus ama vocês. Aceite-o, ou serão condenados! As profecias estão se cumprindo, ele vem para julgar a todos. - disse, de forma exaltada.

No fundo do ônibus há um ateu. Enquanto o homem exaltado faz pregações dos horrores do apocalipse, esse incrédulo escuta música e não dá a mínima a nada daquilo. Mas sua atenção é despertada quando o pregador afirma que o dever de todo homem é "amar a Deus".

O rapaz levantou a mão e afirmou não concordar.

- Desculpe, mas é impossível alguém ser obrigado a amar.

- Por quê? - perguntou o pregador, demonstrando certo espanto.

- Amor é espontâneo. O amor não surge por obrigação.Temos o dever de sermos justos e honestos, mas não amar. Ninguém dentro desse ônibus tem o dever de amar ninguém. Muito menos um ser desconhecido. - retrucou o incrédulo.

- Mas temos um motivo para amar Jesus. Ele veio para nos salvar.

- Mesmo que isso fosse verdade (o que não acredito) ainda continua sendo impossível. Você fala como se tivéssemos uma dívida com Jesus. O preço? Ama-lo. No máximo, o dever que poderíamos ter é gratidão. Mas amar, não dá. Claro que poderia haver muita gente que, caso comprovado que ele realmente nos salvou, realmente o amaria. Mas certamente haveria muita gente que não conseguiria ama-lo.

- Mas se não o amarmos, seremos lançados no inferno.

- Este é outro ponto a questionar. O que há aí é uma ameaça. Você realmente acredita que podemos fazer alguém nos amar com ameaças?

O rapaz, então, tira da mochila o livro "Breviário da Decomposição", de Emil Cioran, e prossegue:

- Veja este livro. Você certamente não iria gostar dele, pois há muito conteúdo contrário às suas crenças. Se eu colocar a arma em sua cabeça e disser: "goste este livro ou te mato". Será que você conseguiria gostar desse livro sob ameaça? Provavelmente, não. Você diria para mim que gostou, para não morrer, mas no fundo não teria gostado nada. Entenda que sentimentos não estão sujeitos à vontade, tampouco a ameaças. Não tem como obrigar alguém apreciar um livro ou se emocionar com uma música.

O pregador ficou uns segundos em silêncio. Aparentemente, sem argumentos. Não se sabe o que os passageiros estavam sentindo naquele momento. Eram crentes e estavam pasmos com que o ateu disse? Eram ateus e estavam orgulhosos do rapaz admirador de Cioran? Ninguém sabe. Mas o tempo todo ficaram em silêncio assistindo o "duelo" entre o crente e o ateu.

Por fim, o ateu desceu na parada seguinte. Apertou a mão do pregador e agradeceu-o pela conversa. O pregador afirma:

- Jesus te ama!

- Pena que não sinto o mesmo por ele - diz o rapaz, rindo, que desce
do ônibus sob os olhares dos passageiros e do motorista. Não se sabe se são olhares de admiração ou de irritação.

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