segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Deus, essa metamorfose ambulante

I

Hoje fui à baiana comprar abará. Tirei dez reais do bolso e ela tomou um susto, perguntou se eu não tinha dinheiro trocado. Olhou para os lados em busca de alguma venda que pudesse ter troco. Porém antes de ir trocar, apareceu outra cliente.

- Que nota você vai me dar para comprar? - perguntou ela a essa cliente.

- Cinco reais. - respondeu.

A baiana vibrou e gritou "glórias", dizendo que foi Deus quem colocou aquela moça ali para ela poder me dar o troco.

II

Deus, ou a ideia dele, talvez seja o personagem mais metamorfo de toda história. "Metamorfo" no sentido cultural e histórico, algo que é adaptado para várias sociedades e épocas. O deus da Bíblia foi um admirador de jardins no início dos tempos. Em Gênesis dá a entender que ele costumava passear pelo próprio terreno de flores e jardins que criou. Mais a frente tornou-se o deus da guerra. No Novo Testamento, deus de amor.

Hoje, na sociedade capitalista liberal, ele é aquilo que o crente quer que ele seja: um médico que trata diarreias, um funcionário que providencia trocados em dinheiro ou um gênio da lâmpada mágica. Esta última função, aliás, é a mais difundida nas igrejas: a ideia de que você pode pedir o que quiser para Deus e ele vai te dar. Nunca me esqueço da frase de um velho amigo entre as escadarias de uma favela em Salvador: 

- Imagina que você tem um pai. Se você pede uma bicicleta a ele, ele te dá. Imagina, então, um pai celestial.

O que ele não disse, mas que certamente acreditava, é que isso tem um preço, pois Deus também assume a função de mercadoria no capitalismo, é um produto. Você só pode adquirir o bem se der o dízimo, a oferta, fizer barganha - enfim, quando comprar o produto da empresa-igreja do empresário-pastor.

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